Sonhei que deitava com ele de novo.Não por desejo, mas por memória.Uma cama de casal, dois corpos distantes,e um gesto insólito:jogávamos cenouras e batatas picadas sobre nós,como quem planta no corpo a raiz do que foi.Depois cobrimos tudo com um pano branco.Branco como os lençóis que selam pactosou como os olhos de quem aceita o fim sem briga.Ali, entre legumes e silêncios, cozinhava-se algo que não era comida: era o passado querendo virar caldo. Ele se levantou apressado.Disse que Joaquim — o irmão que já se foi —tinha adorado a sopa.E eu entendi: algumas coisas precisam morrer para serem digeridas.Outras, só descansam quando alguém as reconhece como oferenda.Acordei com gosto de terra na boca. Mas sem dor.Como se algo em mim finalmente tivesse se nutridodo que antes era indigestão.
— Nikelly Silva
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