“Abrigo na tempestade de areia”, Calvin Lai
Em certas ocasiões, o
destino se assemelha a uma pequena tempestade de areia, cujo curso sempre se
altera. Você procura fugir dela e orienta seus passos noutra direção. Mas
então, a tempestade também muda de direção e o segue. Você muda mais uma vez
seu rumo. A tempestade faz o mesmo e o acompanha. As mudanças se repetem muitas
e muitas vezes, como num balé macabro que se dança com a deusa da morte antes
do alvorecer. Isso acontece porque a tempestade não é algo independente, vindo
de um local distante. A tempestade é você mesmo. Algo que existe em seu íntimo.
Portanto, o único recurso que lhe resta é se conformar e corajosamente pôr um
pé dentro dela, tapar olhos e ouvidos com firmeza a fim de evitar que se encham
de areia e atravessá-la passo a passo até emergir do outro lado. É muito
provável que lá dentro não haja sol, nem lua, nem norte e, em determinados
momentos, nem hora certa. O que há são apenas grãos de areia finos e brancos
como osso moído dançando vertiginosamente no espaço. Imagine uma tempestade de
areia desse jeito. E você vai atravessá-la, claro.
Falo da tempestade. Dessa
tempestade violenta, metafísica e simbólica. Metafísica e simbólica, mas ao
mesmo tempo cortante como mil navalhas, ela rasga a carne sem piedade. Muita
gente verteu sangue dentro dela, e você mesmo verterá o seu. Sangue rubro e
morno. E você vai apará-lo com suas próprias mãos em concha. O seu sangue e
também o de outras pessoas.
E, quando a tempestade
passar, na certa lhe será difícil entender como conseguiu atravessá-la e ainda
sobreviver. Aliás, nem saberá com certeza se ela realmente passou. Uma coisa
porém é certa:
Ao emergir do outro lado
da tempestade, você já não será o mesmo de quando nela entrou.
Exatamente, esse é o
sentido da tempestade de areia…
Haruki Murakami
do livro “Kafka à
Beira-Mar”