OS HOMENS OCOS - T.S.Eliot


T.S.Eliot - o poeta, o crítico, o ensaísta, o dramaturgo - encarna uma das mais estranhas e poderosas permanências literárias de nossa época. Estranha, porque foi ele, acima de qualquer outro, o escritor contemporâneo que mais conscientemente buscou, na tradição cultural do passado, o sentido de um tempo presente que, por estar sempre vindo a sê-lo, fosse também futuro; poderosa, porque sua obra, a um só tempo clássica e moderna, revolucionária e reacionária, realista e metafísica, está na própria raiz que informa e conforma a mentalidade poética de nossos dias, tendo exercido fecunda e duradoura influência sobre todas as gerações que se formaram a partir de 1930.
 

Nós somos os homens ocos

Os homens empalhados

Uns nos outros amparados

O elmo cheio de nada. Ai de nós!

Nossas vozes dessecadas,

Quando juntos sussurramos,

São quietas e inexpressas

Como o vento na relva seca

Ou pés de ratos sobre cacos

Em nossa adega evaporada

 

Fôrma sem forma, sombra sem cor

Força paralisada, gesto sem vigor;

 

Aqueles que atravessaram

De olhos retos, para o outro reino da morte

Nos recordam - se o fazem - não como violentas

Almas danadas, mas apenas

Como os homens ocos

Os homens empalhados.

 

  II

 

Os olhos que temo encontrar em sonhos

No reino de sonho da morte

Estes não aparecem:

Lá, os olhos são como a lâmina

Do sol nos ossos de uma coluna

Lá, uma árvore brande os ramos

E as vozes estão no frêmito

Do vento que está cantando

Mais distantes e solenes

Que uma estrela agonizante.

 

Que eu demais não me aproxime

Do reino de sonho da morte

Que eu possa trajar ainda

Esses tácitos disfarces

Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas

E comportar-me num campo

Como o vento se comporta

Nem mais um passo

 

- Não este encontro derradeiro

No reino crepuscular

 

  III

 

Esta é a terra morta

Esta é a terra do cacto

Aqui as imagens de pedra

Estão eretas, aqui recebem elas

A súplica da mão de um morto

Sob o lampejo de uma estrela agonizante.

 

E nisto consiste

O outro reino da morte:

Despertando sozinhos

À hora em que estamos

Trêmulos de ternura

Os lábios que beijariam

Rezam as pedras quebradas.

 

  IV

 

Os olhos não estão aqui

Aqui os olhos não brilham

Neste vale de estrelas tíbias

Neste vale desvalido

Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos

 

Neste último sítio de encontros

Juntos tateamos

Todos à fala esquivos

Reunidos na praia do túrgido rio

 

Sem nada ver, a não ser

Que os olhos reapareçam

Como a estrela perpétua

Rosa multifoliada

Do reino em sombras da morte

A única esperança

De homens vazios.

 

  V

 

Aqui rondamos a figueira-brava

Figueira-brava figueira-brava

Aqui rondamos a figueira-brava

Às cinco em ponto da madrugada

 

Entre a idéia

E a realidade

Entre o movimento

E a ação

Tomba a Sombra

                        Porque Teu é o Reino

 

Entre a concepção

E a criação

Entre a emoção

E a reação

Tomba a Sombra

                       A vida é muito longa

 

Entre o desejo

E o espasmo

Entre a potência

E a existência

Entre a essência

E a descendência

Tomba a Sombra

                        Porque Teu é o Reino

Porque Teu é

A vida é

Porque Teu é o

 

Assim expira o mundo

Assim expira o mundo

Assim expira o mundo

Não com uma explosão, mas com um suspiro.

 

(tradução:  Ivan Junqueira)

Postagens mais visitadas deste blog

Conto: "Nóis Mudemo" - Fidêncio Bogo

Olhos de nunca mais! 27/09/2008

Ama-me, de Hilda Hilst