---
❝ Escrevo no intervalo entre o que me atravessa e o que consigo dizer. Cada palavra vem do avesso do peito, resgate de afetos partidos e emoções sem forma. Entre o silêncio do não dito e o ruído do mal interpretado, lanço pontes — frágeis e poéticas — entre mim e você. Este é um lugar de pausas fundas e verbos expostos. Bem-vinde às bordas da palavra, onde o sentir encontra abrigo. ❞
quinta-feira, 8 de setembro de 2022
MENINO CHORANDO NA NOITE - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
AMAR POR AUSÊNCIA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
sexta-feira, 17 de junho de 2022
"E então, que queres?"
![]() |
Vladimir Maiakovski |
Fiz ranger as folhas de jornal abrindo-lhes as pálpebras
piscantes.
E logo de cada fronteira distante subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos nada de novo há
no rugir das tempestades.
Não estamos alegres,
é certo, mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história é agitado.
As ameaças e as guerras
havemos de atravessá-las, rompê-las ao meio,
cortando-as como uma quilha corta
as ondas."
Vladimir Maiakovski (1927).
sábado, 21 de maio de 2022
Poema de John Clare
![]() |
John Clare |
“Eu sou, mas o que sou ninguém se importa ou conhece,
Meus amigos desistiram de mim, como uma memória perdida.
Sou o consumidor das minhas próprias mágoas.
Elas ascendem e desaparecem em chão estéril,
como sombras em dores delirantes de um amor sufocado.
E ainda assim eu sou, eu vivo – como vapores tremulantes.
Em meio a uma nada ruidoso e escarnescente,
Em meio a um vivo mar de sonhos vigilantes,
Onde não há sentido de vida ou alegrias,
Só o vasto naufrágio das minhas aporias,
E a mais desejada, a que eu amei mais,
É-me estranha – ou pior, mais estranha que as mais.
Anseio por cenas onde o homem nunca trilhou.
Um lugar onde as mulheres nunca sorriram ou choraram.
Há a cumprir com o meu Criador, Deus.
E dormir como eu dormia docemente na infância.
Tranquilo e despreocupado onde repouso.
A grama abaixo – por cima o céu abobadado.”
Pelo o que se sabe, o poeta John Clare tinha só 1,5m, assim
considerado uma aberração. Talvez devido a isso ele sentia uma afinidade sem par
com os excluídos e os rejeitados. Os animais feios, as coisas quebradas.
(Citado em Penny Dreadful)
domingo, 20 de fevereiro de 2022
Evidências da imortalidade nas recordações de infância
Caspar David FRIEDRICH (1774-1840) Andarilho sobre o mar de neblina, ca. 1817 Óleo sobre tela. |
Augúrios da inocência - William Blake
Caminho Das Flores", Pintura por Silvana Oliveira |
"Ver o Mundo inteiro num Grão
Ver o Céu numa Flor Bravia
É ter o Infinito na mão
E a Eternidade num dia
Tordo preso numa Gaiola
E o Céu inteiro se Desola
Pombal com Rolinhas & Pombos
Leva todo o Inferno a escombros
Cão faminto às Portas de Casa
Prevê que o Estado se defasa
Cavalo largado na Pista
Quer Sangue & quer que o Céu o assista
Lebre que grita por ajuda
A nosso Cérebro desnuda
Rouxinol que no solo jaz
Querubim que não canta mais
Galo de Briga em pé de guerra
A todo Sol Nascente aterra
Todo Lobo & Leão uivando
Salvam do Inferno um Ser Humano
Este cervo que vaga ao léu
Leva o Ser Humano ao Céu
Cordeiro gera a Discórdia
Mas também a Misericórdia
Morcego plana no Poente
E larga o Cérebro Descrente
Coruja que convoca a Treva
Diz o que ao Incrédulo entreva
Ele que fere o Passarinho
Não saberá o que é o Carinho
Ele que o Touro trouxe à fúria
Só saberá o que é a Injúria
Moleque que mata um Mosquito
As Aranhas têm por maldito
Ele que atormenta o Besouro
Esconde do Escuro imorredouro
Larva-de-Inseto inda precoce
Te rediz que tua Mãe sofre
Não mate nunca a Borboleta
O Juízo Final se espreita
Ele aguerrido em Menoscabo
Não ultrapassará o Cabo
Gato de Velha & Cão de Pobre
Alimente-os & serás nobre
Inseto com Canções de Estio
No veneno do Ultraje caiu
Veneno de Lagarto & Cobra
Que do suor da Inveja sobra
Veneno vindo da Colmeia
É o que o Gozo Artístico ideia
Tesouro Imperial & Esmola
São Cogumelos na Sacola
Verdade dita como ofensa
Vence as Mentiras que se pensa
Ser assim é muito melhor
Só nos cabe Alegria & Dor
E tão logo sabemos disto
O Mundo é um lugar mais bem quisto
Alegria & Dor são tecidas
Vestes d’Almas enaltecidas
Sob cada pinheiro & desgraça
A sedosa alegria passa
Todo Bebê é mais que o Berço
Por todo este Humano Universo
Criadas mãos & Instrumentais
Cada Roceiro Entende mais
Cada Pranto de Cada Face
É um Bebê que no Eterno nasce
Isto é pego por Fêmeas rútilas
E torna de volta a seus júbilos
O Uivo o Balido & Rosnado
São Brisa no Celeste Prado
Bebê que teme o seu Castigo
Nutre Ódio e Massacre consigo
Andrajo adejando Ar afora
Age no Céu e o deteriora
Soldado armado com Baioneta
Assalta o Sol mesmo perneta
Trocados valem no total
Mais que todo Ouro oriental
Ácaro nas Mãos calejadas
Terras vendidas & compradas
Ou se acaso o alto o defenda
Faz que a Nação compre & revenda
Quem escarnece a Fé da Infância
A Morte trata co’ Arrogância
Quem ao Questionamento educa
Não sairá da Cova nunca
Quem respeita a Fé da Infância
Vence a Morte & sua Substância
Brincadeiras & Alegações
Frutos de duas Estações
Questionador que diz-se astuto
Não Discute nem um minuto
Quem contesta o Questionamento
Ganha o Dom do Discernimento
Veneno mais Eficiente
Vem do Soberano regente
Nada deforma a Raça Humana
Como a Armadura em Filigrana
Quando o Ouro adorna a Enxada
Faz-se às Artes Cara Fechada
Charada ou Chore o Gafanhoto
É boa Resposta ao Ignoto
Voo de Condor & Voo de Mosca
Distraem a Filosofia Tosca
Quem Questiona o que vê não Crê
Faça o que é melhor pra você
Se Sol & Lua Questionarem
Irão se Pôr sem aguardarem
Conter Paixão é sempre um Bem
Mas não se a Paixão te contém
O Estado ao Jogador & à Puta
Permita & a Nação é corrupta
Rua a Rua a Meretriz berra
Páginas de Velha Inglaterra
Vencedor que Ri de Quem Perde
Zomba Inglaterra estar inerte
Toda Noite & toda Manhã
A Existência de alguns é Vã
Toda Manhã & toda Noite
Alguns nasceram pro deleite
Alguns nasceram pro deleite
Outros pro Infinito da Noite
Tendemos a crer numa Farsa
Se só Olhar não Satisfaça
Quem nasce à Noite pra morrer na Noite
Dorme a Alma em Raios de Luz
Deus Aparece & Deus é Luz
Aos Pobres que moram na Noite
Na Forma Humana se anuncia
A quem Morar na Luz do Dia"
O dia em que Tennyson morreu
|
A melodia de Wagner, Liebestod
"Poderei compreender-te, ó velha e grave melodia de som de queixume?Flutuando nas brisas do entardecer, chegaste um dia, melancólica, até mim, quandoainda era menino, para anunciar-me a morte de meu pai. Mais ainda lamentosa ressoaste através da aurora cinzenta para revelar ao terno filho o destino materno. Quandomeu pai me gerou e morreu; quando minha mãe, moribunda, me deu à luz, a antigamelodia, lânguida e dolente, transportava o lamento de seus ecos angustiosos. Comoentão hoje me pergunto: a que destino fui consagrado? Para que nasci? Qual foi minhasorte? A velha melodia mo repete agora: para desejar e morrer! Oh, não! Assim não odiz! Desejar, desejar! Desejar até à morte, sem poder morrer de desejo! Imortal, invocaagora, anelante, a longínqua dispensadora da saúde, para que eu possa morrer em paz.Mudo, moribundo, jazia na barca. A melodia chorava suas queixas e desejos; o ventoencheu a vela, levando-nos até a filha da Irlanda. Ela curou minha ferida; com a espadaqueria abri-la de novo... Mas deixou cair a arma, para oferecer-me um filtro envenenado...e quando eu esperava completa cura, me consagrou o encantamento mais danoso,a fim de que jamais morresse, condenando-me ao suplício eterno. O’ filtro! A bebida!Terrível filtro! Com ânsia furiosa me devoras o coração e o cérebro! Não há salvação,não há doce morte que possa libertar-me da tortura do desejo. Em nenhum sítio meé concedido repousar! A noite me impele ao dia para que eternamente minhas doresdeleitem a insaciável mirada do sol. Oh, como abrasa meu cérebro com o tormentoardoroso de seus candentes raios! Nenhuma sombra noturna logra refrescar o ardentefogo que assim me consome! Que bálsamo poderia aliviar o horrível martírio de semelhantes dores?"
Desencanto - Manuel Bandeira
O óleo sobre tela Melancolia, de Constance Charpentier, ilustra a segunda fase do romantismo. |
Ainda assim eu me levanto - Maya Angelou
A Liberdade guiando o povo (em francês: La Liberté guidant le peuple) é uma pintura de Eugène Delacroix. |
Ausência - Vinicius de Morais, 1935.
---
Solitário - Augusto dos Anjos
Pintura: PHILLIP HERMOGENES CALDERON |
Solitário
Meu pequeno Léxico
-
O ônibus da Transbrasiliana deslizava manso pela Belém-Brasília rumo ao Porto Nacional. Era abril, mês das derradeiras chuvas. No céu,...
-
Minha alma, te encontro hoje no espelho do tempo, onde as cicatrizes florescem como lembranças e a dor veste o perfume de um jardim esqu...
-
Sonhei que deitava com ele de novo. Não por desejo, mas por memória. Uma cama de casal, dois corpos distantes, e um gesto insólito: jogáv...